“A escuridão se assemelha ao mais profundo breu do infinito, sem estrelas, sem brilho, sem alma.”
Abre os olhos e depara-se com aqueles olhinhos azuis olhando diretamente para os seus, ele segura o bebê por baixo dos bracinhos o deixando sentado em seu colo. A sensação que experimenta é a mais inexorável paz, daquela que é impossível sentir não estando completamente sozinho, envolto em si sem a mais ínfima das interferências exteriores. Mas olha só. Sente a mesma coisa estando com seu filho no colo. Uma conexão nunca possível sem a solidão, e mesmo assim ele está ali, em dois, como se fossem apenas um.
Não consegue parar de sorrir, olha para aquele rostinho redondo como um pedaço inteiro de queijo de fazenda e faz caretas tentando absorver qualquer resquício de sorriso que possa sair daqueles lábios rechonchudos e perfeitos – puxou da mãe -. O bebê olha para ele, balança os bracinhos para lá e para cá e sorri completo, como um belo livro de poesias, com começo, meio e fim, mesmo que não nessa ordem. Ele fica tão feliz com a interação do garotinho que começa a gargalhar debilmente. Se alguém pudesse ver a cena de fora, veria a sinestesia em que tudo acontecia. Ele sentia o gosto do sorriso do seu filho e o filho ouvia atentamente o olhar do pai. Aquilo continuou pelo que pareceu a travessia do deserto pelos hebreus, como se estivessem andando em círculos, ou seria um looping? Ele não sabia, mas não queria que acabasse nunca.
Uma mosca começa a voar, saltando de cima do batente de uma porta de madeira, voa pelo ambiente a procura de alimento, qualquer resto pútrido de comida ou animal morto seria uma iguaria. Pousou no chão. Em sua frente tinha algo molhado, era água, ou não, não dava para identificar. Chegou mais perto e arriscou sugar um pouquinho, ela não sabia, mas era uma poça de urina. Ela não gostou, decolou novamente pelo ambiente e em seus poucos dias de vida, aquilo ali podia ser o seu universo, a sua imensidão infinita da solidão. Aterrizou em algo que parecia comestível. Era vermelho, e ela soltou um pouco de saliva em cima para sugar em seguida. O que a mosca come é vômito misturado com sangue, muito sangue. Decola novamente e depara-se com algo peludo, ela nunca viu nada igual, nem podia, pois acabara de desabrochar para a vida e ainda descobria as particularidades do seu mundo. Foi andando por aquela superfície inóspita, quando de um movimento tão rápido quanto inesperado, uma mão a esmagou contra a própria cabeça deixando o cadáver da mosca incrustado em seus cabelos.
O Homem que acabara de esmagar a mosca com uma mão, com a outra segura um cadáver de bebê, roxo e endurecido, já nos primeiros estágios de putrefação. Ele volta a mão para baixo dos bracinhos imóveis do filho e ri, faz caretas e pede desesperadamente que seja correspondido, e quando a sua imaginação lhe leva para longe da realidade imensuravelmente mórbida, envolto em sua loucura, responde com aprovação quando o bebê sorri em retribuição.
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