Felipe Gisbert Nicoletti é publicitário, empresário e palestrante. Empreendedor nato, montou sua própria corretora de imóveis antes dos 30 anos. Amante das artes, resolveu se aventurar no mundo literáro!
Te busquei por volta das 11h da manhã. Você me mostrou seu primeiro chinelo sem elástico, que sua mãe comprou. Nos primeiros passos você parecia meio incomodada com o chinelo, que para mim era claramente seu processo de adaptação.
Despediu-se amorosamente da sua mãe, dizendo que a amava. Deu tchau para seus animais de estimação e entramos no carro do Vovô Tadeu. Passamos pela sua escolinha, e você disse: quero que volte logo as aulas.
Quando passamos por uma rua íngreme, me pediu para não subir, pois estava com medo. Mas logo no início da subida, te observando pelo retrovisor, o medo havia desaparecido do seu semblante, dando lugar a uma expressão de aventura e diverção. Já na descida levantou os braços em uma mistura de alegria e alívio.
Chegando na garagem do prédio do Vovô Tadeu, você me perguntou por que estava tão escuro, e após estacionar o carro e te tirar da sua cadeirinha, você ficou brevemente amedrontada.
Após ouvir a voz do vovô te chamando, tomou coragem e foi sozinha até seu encontro. Coragem essa que não durou nem dois segundos. O medo a fez correr novamente para minhas pernas.
Ao subir a rampa da garagem na cadeirinha, agora da bicicleta, o sol deu sua graça e a sua alegria em saber que iríamos andar de bicicleta, tomou conta de você. Expressar as emoções de forma espontâneas e verdadeiras em situações “pequenas” como essas, só uma criança consegue fazer.
Trocamos o caminho, viemos pela rua que existia a “batata gigante” e que alguém a comeu dali. Pegamos um rua com um novo teste de ciclovia em frente à Rodoviária, em que brincamos com os desenhos de um ciclista nas placas de sinalização. Passamos por baixo do viaduto, e finalmente chegamos no apartamento do papai.
Novamente, sua respiração fica mais ofegante ao entrar na garagem, descer da cadeirinha, esperar que eu guardasse a bicicleta, e ir em direção ao elevador. Tudo por “medo do monstrãoquepodeterescondidoemalgumlugar”.
Sua alegria em pular na minha cama era contagiante, e cada vez você pulava mais forte do que o pulo anterior.
Encheu muitos copos de água para darmos às nossas plantinhas.
Você desenhou enquanto eu fazia nosso almoço ao som de Bob Marley. Te contei que ele é maior de todos e você dançava com movimentos únicos, puros e criativos.
Me disse para não ter medo de fazer o suco de laranja na máquina, pois você estava ao meu lado. Comemos super bem.
Não quis descansar depois do almoço, pois queria brincar com o papai. Esgotou um pote de álcool gel, espalhando em seu corpo, no meu, da sua boneca, na sua neneca e no apartamento todo. Que bagunça maravilhosa! Estávamos livres do Corona vírus, rs.
Descemos para ver a Tia Clá, o Tio Lu e sua prima, a Lalá. Eles estavam do outro lado da rua, e com um leve incentivo meu, você bradou: Tio Luuuuuu.
Atravessamos a rua e ficamos conversando com eles, que ficaram dentro do carro. Pegamos o kit com uma máscara e faixa iguais da tia Cla e da Lalá, e tiramos uma foto. Despedimo-nos com a promessa de cantar parabéns para a prima Lala.
Fomos comer uma goiaba, e, sentados na mesa da cozinha, vc tirou sua chupeta e disse: Vou jogar, papai. Eu disse: Joga. E você jogou.
No mesmo instante que te parabenizei pela sua coragem, você começou a chorar, arrependida, dando-se conta de que havia perdido a chupeta “para sempre”. Lágrimas escorriam em seu rosto feito cachoeira (escrevo rindo esse parte, pois realmente foi muito engraçado sua mudança de expressão). Chorava a plenos pulmões, sentindo com a alma o impacto da perda de algo extremamente valioso na sua vida.
Conversamos bastante sobre as consequências de todas as nossas atitudes e lhe aconselhei a sempre pensar quantas vezes for necessário antes de tomar uma decisão grande em sua vida.
Saímos para comprar uma nova chupeta.
Era um dia de sol e o clima estava agradável para um passeio a pé. Você me pedia colo, eu dava com muito amor até meu braço pesar e te colocar no chão para descansar. Olhava você andando com seu novo chinelo sem elástico. Dez passos depois, você parava, erguia os bracinhos e pedia colo novamente. Ficamos assim por todo o trajeto no entorno do apartamento.
Andamos pelo trilho do trem, ignoramos um carro da polícia e ficamos espantados ao ver o focinho de um enorme cachorrão através de um buraco no muro.
Passamos por três garagens de prédios vizinhos, e nas três ocasiões, o medo, mesmo que muito brevemente, voltava a aparecer em você.
Ao retornar para casa, enchi uma pequena piscina de plástico que, ao invés de colocarmos água, serviu como uma barraca. Deitamos em sua cama e li alguns contos para você.
Banho sem lavar o cabelo, pijama e cozinha para fazer a janta. Enquanto o caldo de frango estava na panela, você pegou um refil de inseticida e fazia movimentos como se estivesse passando um spray-limpador de ambientes e armários, fazendo um barulho pela boca “tzi tzi”.
Sopa pronta, ficou muito apimentada e você tomou bastante água. Tive que esquentar o que tinha do almoço (macarrão com carne de churrasco).
Escovamos os dentes, arrumamos os brinquedos do seu quarto, você pulou um pouco mais na minha cama, fizemos o mamazinho, te embalei e você dormiu.
Escrevo esse texto com você ao meu lado, se remexendo e passando a neneca no rosto.
Lembrarei para sempre desse dia.
Te amo filha.

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