TEXTO POÉTICO: ADEUS

Como arpão de caça penetrou-lhe o peito, rasgando por dentro tudo que ali havia. A dor era excruciante, laceradora, pungente. Sentiu as pernas bambearem e caindo no chão olhou para o céu. O golpe de faca não era esperado e do corte sentia jorrar a vida, cada vez mais longe, cada vez mais vazia. Apenas uma poça ao lado de seu corpo. As lágrimas de sangue escorriam dos olhos em um vermelho vivo, úmido e quente, enquanto o filme passava em sua cabeça. Os momentos da adolescência vieram à tona como “Clube dos Cinco”: cheios de romance, dramas e amigos. Lembrou-se, então, do rosto daquele que fazia seu corpo adormecer, sua cabeça inebriar e seu coração palpitar. Antes dele não havia brilho e sempre que o lembrava ou via a sensação do novo a preenchia, como o cheiro das páginas de um livro recém comprado.  Os olhos castanhos brilhantes traziam sempre tom de mistério, os fios de cabelo loiros que pendiam pelo rosto o tornava angelical e a boca esbelta, a todo o momento se abria em um sorriso venerável. Sentiu-se deitada em nuvens e sorriu.

          O molhado em suas mãos pousadas no asfalto resgatou-lhe à realidade. O devaneio, agora banhado em sangue, lhe trazia contristação. Vislumbrar os detalhes dele e perceber que jamais veria seu rosto ou sentiria seu calor novamente causou-lhe uma ferroada no coração, um segundo golpe agonizante, chute em cachorro morto. O choro forte apareceu de surpresa, embalado com laço de fita, mas as mãos já não tinham forças para secar. Durou bastante, mais do que já havia durado antes (ou o momento teria lhe roubado a noção do tempo?). Sentia chorar um rio, talvez dois e a dor ardia-lhe os olhos, agora, mais que a faca fincada em si. Lágrimas e lembranças de gargalhadas e afagos, da cumplicidade e da intimidade que jamais provaria outra vez. O gosto de ferro na boca avisava-lhe que a hora se aproximava. Do alto, sumiam as nuvens e só se via luz. O corpo ficara dormente e os olhos embaçados mal podiam enxergar, mas aquele rosto não lhe saía da cabeça até que um último suspiro foi dado e ela se calou.

           Ao caminhar pelo belo jardim ao rumo de casa, todas as dolorosas memórias foram substituídas pela descida da esquife naquele buraco no chão. A rosa, vermelha como sua dor, que soltara na madeira brilhante já fechada, ditava o fim e os sete palmos de saudade  a separavam daquele que um dia fora não só seu amor, mas seu melhor e mais íntimo amigo. A brisa que acompanhava seus passos, acariciou-lhe as bochechas com ternura, instaurando o luto eterno e que todos os dias a lembraria do adeus, o suplício de que quanto maior a perda mais profundo o corte.

Em memória de Luan Dias Monteiro. 

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